Muito tem se falado sobre uma possível/provável chegada do meia argentino Walter Montillo ao Flamengo. Classificado como um tradicional "enganche", viria para suprir a ausência de um camisa 10 no elenco do Flamengo, a peça que supostamente falta na escalação Rubro-Negra. O clube, por sua vez, estaria assumindo o risco de esperar por ele e passar quase metade do Brasileirão sem Montillo. Mas até onde ter um meia próprio para criação continua sendo tão imprescindível?
O futebol mudou muito desde a época em que cada clube do país tinha o seu criador clássico no meio campo, que não corria, mas fazia a bola correr, responsável por lançar os companheiros em situação de gol. Hoje, o futebol é um esporte de funções muito mais variadas. Poucas equipes entre as mais modernas do mundo taticamente abrem mão de ter todos os seus jogadores de ataque marcando a saída de jogo do adversário. Isso, inclusive, é algo que o Fla de Luxemburgo tenta fazer. Da mesma maneira que a marcação precisa começar no ataque, não dá para acreditar que toda a criação de uma equipe precise cair sobre os pés de um único jogador (ou que isso seja saudável). Ainda assim, os torcedores e cronistas brasileiros mantêm uma tara incompreensível por esse tipo de jogador, como se a equipe que não tem um atleta dessa posição em seu elenco estivesse fadada à escassez de gols e ao fracasso.
Todos esperam sebastianamente por um 10 que a todos governará, que dará ao futebol brasileiro o jeito de jogar de antigamente, resolvendo todos os problemas de um sistema ofensivo. Não à toa, Paulo Henrique Ganso recebe floreios tão grandes para tão pouca bola desde sua contusão, em 2010.
Os clubes podem sobreviver muito bem sem necessariamente ter no camisa 10 o principal responsável pela criação, e exemplos não faltam. O maior criador do Fluminense no título brasileiro de 2012, por exemplo, não foi Thiago Neves ou Wagner, que se encaixam mais no perfil de "10 clássico". Na verdade, o maior responsável pelas oportunidades aproveitadas por Fred foi o corredor e habilidoso Wellington Nem, que puxava a bola de um campo para o outro, dava combate na defesa e ainda ia à linha de fundo. Já no Cruzeiro bicampeão brasileiro, o principal articulador no meio-campo foi Everton Ribeiro, que muitas vezes conduzia a bola caindo pelos lados do campo, sem fazer o perfil de lançador tradicional que se espera de um 10. O próprio Chelsea, como destacou Tostão em sua última coluna, utiliza Fábregas como segundo volante, quando Hazard e Oscar ou Willian jogam mais à frente.
O Flamengo campeão da Copa do Brasil em 2013 tinha um jogador fazendo a função de 10 em campo. Seu papel na criação do time, porém, era quase nulo. Carlos Eduardo proporcionou muito menos chances de gol a Hernane do que Paulinho, Elias e André Santos. Aliás, a própria contratação de Cadu veio da necessidade inexplicável de ter no elenco um jogador para portar a 10 de Zico, ser o craque da equipe e carregar o ataque com passes, lançamentos e cobranças de falta. Não só Carlos Eduardo, como Lucas Mugni, Dario Botinelli, entre outros. E este jogador tem de vir a peso de ouro, porque não pode ser qualquer um a ocupar a função. Se falar espanhol e for chamado de "enganche", então, o valor é multiplicado (e lá se vai um bom dinheiro).
Montillo obviamente elevaria o nível do time do Flamengo. Não por ser um camisa 10, mas principalmente por ser um ótimo jogador. Essa falsa necessidade de ter um atleta no estilo dele, porém, incomoda. Com uma linha ofensiva de muita velocidade, o que o Fla precisa é de um jogador que explore a rapidez de Marcelo Cirino, Gabriel, Paulinho, Everton e cia. contra as defesas adversárias. Esse cara pode ser Montillo. Mas também pode ser um segundo ou terceiro volante que saiba sair jogando. Canteros, talvez. O argentino vive má fase, mas seria interessante ter um jogador que possa executar essa função enquanto dá combate na defesa e compõe o meio-campo com mais dinamismo do que um camisa 10 daqueles. Não é coincidência que Muricy Ramalho tenha tentado usar Ganso num posicionamento mais recuado em campo.
Num futebol de posições e funções cada vez mais híbridas, não dá para exigir a existência de um jogador com características tão específicas no elenco. Mais do que isso, a ausência dele não pode ser justificativa para uma equipe não criar no ataque. O Flamengo, mesmo sem um camisa 10, tem munição ofensiva. Tem atacantes velozes que podem criar jogadas pela linha de fundo. Tem armas para disparar em contra-ataques proporcionados pela marcação pressão de seus atacantes. Pelo contrário, o que realmente preocupa na equipe é seu sistema defensivo, de zagueiros irregulares e desprotegidos e laterais frágeis.
Montillo, se bem utilizado, poderia potencializar as possibilidades do ataque. Mas não é como se o Flamengo ou qualquer outro clube precisasse ter um camisa 10 para ser um time eficiente no ataque. Também não é como se os outros jogadores do ataque de um time não pudessem criar nada. Hoje, ter ou não um jogador que apenas crie não é mais imprescindível. Usar o seu elenco de maneira equilibrada, entendendo as funções que cada um pode exercer em campo para render melhor no ataque e na defesa, ainda não deixou de ser.
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